Poetas Neurodivergentes

A categoria Poetas Neurodivergentes reúne escritores e escritoras que exploram suas experiências de neurodiversidade na poesia. Aqui, destacamos poetas neurodivergentes que traduzem em versos suas vivências, desafios e perspectivas únicas. Descubra autores contemporâneos que enriquecem a literatura com suas vozes autênticas e originais.
- Mulher, Pessoa Autista, Pessoa com Deficiência, Pessoa com Experiência de Violência Sexual, Pessoa de Origem Latino-Americana, Pessoa Gorda, Pessoa LGBTQIA+, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, Rio de Janeiro
Nascida em 2002, no Rio de Janeiro. Algumas coisas me definem: uma longa batalha contra a doença mental, a sobrevivência às violências sexuais, e a deficiência. Não mais do que tudo e todos que amo. Sinto saudade. Ponto. Saudade de tudo. Aquele misto de afeto com dor, sabe? Acho que se eu fosse um sentimento, é este que eu seria. Talvez, eu já seja. Candura — uma história de sobrevivência feminina, é seu livro de estreia (TAUP, 2025).
só vou morrer
depois que
uma voz gasta
rouca
e sem dono
escorrer boca afora
a mesma boca
que quando esperava um primeiro beijo
foi usada de tantas outras maneiras
e ficou com um não regurgitado na garganta
sem cuspe
que esta boca
espante toda
palavra morta
e parte imunda
que entala como grão de areia após a praia
em quinas sombrias da sala de estar
vou urrar até a dor se render
até minha voz virar eco
e eu rasgar
cada caco de mim
que se culpa
por homens que tomam corpos
e brotam dores
só saio dessa vida
com a garganta em carne viva
- Mulher, Pessoa de Origem Latino-Americana, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, São Paulo
Amélia Greier recebeu a medalha Adélia Prado da AFEMIL em 2019. Em 2021, participou da publicação do livro “(Con)ciência. Historias de la ciencia brasileña”, promovido pela Universidade de Salamanca em parceria com a FIOCRUZ. Em 2024, venceu o 2º Concurso de Contos PodLetras com o conto “Pano de Fundo”.
Conjugação
Amor nascido às avessas
Tu nasceste primeiro, e eu vim após
Paixão reta, de morfologia travessa
Ele foi pioneiro, e eu nasci sendo nós
Desde o início, indicativos
Olhares, mãos dadas, sorrisos e beijos
Juntos regíamos todos os substantivos
E fizemos histórias conjugando desejos
Então, o sentimento ficou abundante
Paixão invariável, desatino imperativo
Mais-que-perfeito, foras meu modo mais excitante
Na tua presença, tudo era intransitivo
Passados tantos tempos, perdemos os adjetivos
De todos os predicados, só sobrou nossa ligação
Querido, não deixemos nosso amor no subjuntivo
Transformemos todas as sentenças em linda oração
Pois, de primeira, amar foi a mais linda surpresa
Depois, viver contigo foi pura emoção
Se o sentimento é tão lindo quanto a língua portuguesa
Ao invés de partir, façamos do amor a derradeira conjugação
- Mulher Lésbica, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, São Paulo
Escritora paulista, autora dos livros “TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada” (Litteralux, 2017) e “Nequice: Lapso na Função Supressora” (Litteralux, 2018) , livro finalista na categoria contos do Jabuti 2019.
Querem o casto, o alvo
o que se move em letargia na nata sul
com a mansuetude fastidiosa das moças superiores,
das madres queixosas por dedos e taramelas minhas.
Encontramos, nas paredes sujas, alguns ossos pequenos e fagulhas de suposta fuga de rubra utopia.
E querem.
Querem passos miúdos, vozes menos roucas, colunas dóricas alinhadas com o reto de seus generais, com os discursos aleatórios dos troncos vazios em altares de Eridu.
Descobrimos, sob seus telhados ocreosos, anotações de sonhos vencidos, fungos auris, abusos puídos de peças ornamentadas para o grande fim.
E eles ainda querem.
Querem a carne forte até o nascer do sol, a mentira edificante da poesia alada de falsos poetas, o caldo dos músculos que não formam nações.
–
Despertei tarde.
Ninguém mais esperava por mim.
Em ninho de susto, descabido medo de se misturar aos meus restos e barros de gente… Ninguém mais apareceu.
Despertei do que trava a língua das palavras boas.
Mas era tarde pra mar.
E eles querem.
Puros…
o meu silêncio.
- Paraná, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo
Fialco de Oliveira escreve há cerca de quinze anos e recentemente descobriu a aspiração de vir a público com seus pensamentos mais internos, pelo menos aqueles que ganharam a forma de poesia. Formado em Letras pela UEL, considera a palavra escrita a expressão da subjetividade por excelência.
Continuar
Ontem ameaçou
e hoje choveu
e não vai parar;
Não me interrompeu,
tenho que continuar.
Vou a pé, vejo as casas
vejo os carros e os quintais,
Uns pássaros voando
outros, engaiolados e não cantam mais.
Alguns homens vão andando,
outros, engarrafados
no escritório, empregados
pesquisando como ser.
Castiga, o mormaço,
mas, tenho que continuar
pelo carpê de piche
na violência do peito
nos encargos do anseio
e a indigência no ar.
A prover abrigo
sem beijo a recolher.
Apesar do suspiro
posso só continuar.
- Ambientalista, Animalista, Feminista, Haicaista, Mulher, Paraná, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, Rio Grande do Sul, Tocantins
Gisela Maria Bester é escritora gaúcha radicada no Paraná e no Tocantins, mestra e doutora com estágio pós-doutoral em Direito. Vencedora do 38.º Prêmio Yoshio Takemoto de Literatura 2024 (Haicai). Autora dos livros Pinte-me de Azul (Mondru, 2023 –Troféu Capivara Reconhecimento Literário, no Prêmio Literário da Cidade de Curitiba 2024) e Sorrir, esse sacrifício (TAUP, 2024).
ANTRÓPICO
aterrisse seu avião em uma pista cheia de mar
sufoque-se com as fumaças das queimadas
– sobrepostas sonoridades já não mais possíveis –
cegue-se com as tempestades de fuligens
tome veneno no copo d´água, outrora de vida cristalina
coma hormônios no frango de padaria
ingira antibióticos e líquidos vacinais
nas maminhas da macia carne bovina
celebre o fim das outras espécies, asas não
ria do veado dependurado, sangrando no seu gozo estéril, azar
faça pouco da onça, na beira da civilização
não se esqueça da transgenia, comendo a sua fome feia, recrute sempre sua imensa ganância
sinta calor extremo, águas espessas
compre mais aparelhos de ar-condicionado
e espere os apagões, na sua plúmbea visão
coce seu cancro de pele de ozônio de sol aberto
desafie a rotação e a bondade do planeta
extraia mais riquezas daquilo que não é seu
mate indígenas por amianto, lítio, cassiterita, ouro,
madeira e terra, espalhando ácido pranto
conte mais dinheiros e vantagens,
derrube mais árvores, mate mais e mais, nascentes, sementes,
bichos, sonhos, afetos, e não se esqueça, imutável ser,
de fazer de conta que o inferno não parte de si
Um corpo que cai
Mulher, te dei morada, mas…
essa boca humilhada
esses olhos gencianos
onde estão teus dentes?
Mulher, te dei caminho
de veias, para resvalar o sangue quente
de pernas, para levar teus sonhos ao cio
de línguas, para friccionar tuas traduções
e há glossários, para necessárias desobediências
Mulher, te dei desejos
Cordas e sons de cantar a vida úmida
Mas essa dobradiça repetindo
rangendo mecânica dor
esgotada
e seca
qual trapo perdido, escorregando no vazio
movimenta insana inanição
Mulher oceânica
investiga teus rastros
e tenha em ti um poema
porque um corpo que cai
é o mesmo que se levanta
- Mulher, Pernambuco, Pessoa LGBTQIA+, Pessoa Neurodivergente, Pessoa Periférica, poeta contemporâneo, poeta vivo
Hevi Livre é natural de Recife. Graduada em Ciências pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Detém um olhar observador e atento às complexidades das relações humanas e sua relação íntima com psiquê humana. Sua paixão pelas palavras e pela literatura permite a transmutação de sua observação em poemas belos e ricos de significados.
ÚLTIMO ATO
É causticante o jugo que incide sobre minha ancestralidade
Meu corpo marcado é apontado pela chancela do poder
Condenado pelo disparate de ousar ser
E ser petulantemente orgulhoso do distintivo da raça
Este que me borbulha o sangue nas veias
Você, embranquecido gradualmente em sangue, suor e lágrimas
Sobretudo afeito ao recalque da etiqueta marrom
Qual tom de pele não se veste
Frivolamente se reveste ao intencionar com manejo
O resgate do poderio armado sob o qual nos vergamos aprisionados
Depara-se decepcionado com a bravura arguta
Insolente desenvoltura de resistência digna
Fecundada na fé, no axé, na alegria pulsante de nossas almas
É teu último ato e o teatro está lotado
O tom da pele que te laqueia, clareia
Nu é um retrato devastado
Em cima do palco montado pela comicidade
Com a qual caminhamos até o resgate
De nossa face
Na nossa arte
Nosso espetáculo de vida
Para todo pertencer que não se abate
- Mulher, Pessoa LGBTQIA+, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, Sergipe
Jannayna Sousa, poeta/escritora e fonoaudióloga neurodivergente. Alguém que acredita na cura pela palavra e que entende a necessidade de se ecoar falas!
Meu recordar que é todo seu
Você não ouviu o tocar para o último som da minha voz que ouviria. Sinto muito. Perdeu a melhor das despedidas. Mas Talvez tenha sido que ser assim mesmo. Afinal, o gosto seria amargo. É, você fez o certo de fato.
Já eu… Eu… me apaixonei por partes suas que nem sequer deu tempo de dizer ou por completo desfrutar, e talvez seja melhor deixar pra lá mesmo, o problema é que deixar pra lá, não quer dizer esquecer, e eu te recordo, ah meu amor, como recordo…
Recordo o meu intenso querer do beijar sua parte mais sagrada até que seu gosto venha escorrer por entre suas pernas e por nosso, inteiramente nosso querer
Recordo o quanto quero engoli-lo e te mastigar a fim de saborear e descobrir do que sua alma é feita, e do que seus pensamentos anseiam, para então percorrer o caminho exato de como te fazer ir ao céu
Recordo a cada respirar meu, como quero inverter seu desejo e te informar que o céu é aqui, comigo, enquanto gemo estrelas, cometas, planetas e universos inteiros contigo, só contigo!
- Mulher, Pessoa Autista, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, Rio de Janeiro
Luciana Quintão de Moraes (1993) é poeta, revisora e tradutora literária, graduada em Letras (UNIRIO). Integra os coletivos “Fazia Poesia” e “Escreviventes”, pesquisa o figurativo do inominável e o hibridismo nas artes. Presente em diversos projetos poéticos. Tentei chegar aqui com estas mãos foi seu primeiro livro. Flor de sangue é o segundo.
Under the gun
1. Projétil – laço mortal
A bela palavra é animal.
Esta, que entranhada no
excesso de doce /olhar canino/
em diálogo com /um inferno musical
Diânico/ em sua árvore em reverberação, vibra.
2. Projétil – cinquenta e nove porcento
__A ilógica relação fundamental com todas as coisas.
__Um lugar cintilante.
__ De onde vem a palavra?
3. Projétil – figura da ausência
Uma frase raspada por vó
para um licor de pequi.
Tal história replicada em si,
por vir da morte de mãe.
Somos o que ficou salvo no arquivo:
4. Projétil – oculto
Vivemos por amor. E já sou um labirinto. Para respirar.
Também tenho esta doença.
No líquido amniótico de nossa origem____
Tome a minha concha, no mirante e no
tumulto, e não aceite um prazo.
5. Projétil – amor do gesto
Somos o tempo do Agora, onde tudo Finda,
No meio do labirinto que recebo em sua
Concha, e vivo por Amor, no lar da Perda Pétrea,
pela beleza Rara, nesse Labirinto;
- Mulher, Pernambuco, Pessoa Autista, Pessoa com Deficiência, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo
Maria José de Melo é natural de São Caitano, município do Agreste de Pernambuco e atualmente reside em Jaboatão dos Guararapes (PE). É escritora, geógrafa, colunista e poetisa. Autora do livro: A Renda Fundiária na transposição do Rio São Francisco (Índica/2021) e A Jitirana Poética (Toma Aí Um Poema/2023).
RECIFE DO MANGUE BEAT
Recife é a Veneza Brasileira
Com suas belas pontes
Expendida na beleza
Do encontro do rio com o mar
Recife, berço cultural na tradição nordestina
Nas veredas da poesia popular
Ela é braba e regional
Recife, na inconformidade de uma cidade lama
Na insularidade social, fez-se ilha e desigualdade
Recife se fez ponte sobre o mangue
Enaltecido no ritmo, no som e na melodia
Do Mangue Beat
O caranguejo com cérebro
Anunciou miséria e caos
Fruto de um movimento vivo
O manifesto que misturou o tradicional com o moderno
Assim, Recife deixou de ser marasmo cultural
Recife, poesia viva
No circuito regional e universal de
Naná Vasconcelos, Luiz Gonzaga, Ariano Suassuna,
Clarice Lispector, Celina de Holanda,
Joaquim Cardoso e cia
Assim, nossa identidade nos faz regionalista.
- Bahia, Cordelista, Pessoa LGBTQIA+, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, Sonetista
Márlon Manossi nasceu em Ituaçu-Ba. É graduando de Medicina pela UESB, contista, ilustrador e poeta. No meio literário, lançou seu primeiro livro, “Ovos de Jabuti em Latas de Ferro”, de caráter inventivo e multigênero, e também é fundador do Concurso Literário Baianidades Interioranas.
As Lágrimas das Pétalas Purpúreas
E junto a ti, o encanto Alvorecia.
E o mundo Alagava com sua melodia…
Acordes em oitava com Cores e cortesia:
Pequenos frutos de uma pura Magia…
Seus olhos Argutos, de um mar em Euforia,
Molhavam o alento e o peito em Eufonia…
O corpo Turbulento encontrava Harmonia
— As vagas Ternuras de uma Sintonia…
Nas Águas? Bravuras. Na Vida? Polifonia.
E junto a ti, o encanto Alvorecia…
E longe de ti, o encanto Perecia.
O mundo se Arruinava sem sua companhia…
Minh’alma Afogava e me Sucumbia:
Males Astutos, Óxida Melancolia…
Os corações Abruptos, em uma sinfonia,
Mostravam o Avarento corpo em Agonia!
E no Sofrimento, Numa mente Vazia,
Nefastas amarguras em Desarmonia…
Nas águas? Loucuras. Na Morte? Afonia.
E longe de ti, o encanto Perecia…