Poetas LGBTQIA+

A categoria Poetas LGBTQIA+ reúne escritores e escritoras que representam a diversidade e a riqueza da poesia contemporânea. Aqui, destacamos poetas LGBTQIA+ que traduzem em versos suas experiências, histórias e identidades. Descubra escritores que celebram a essência da diversidade literária e contribuem para uma literatura mais inclusiva e vibrante.
- Ceará Mulher, Homem Gay, Pessoa LGBTQIA+, poeta contemporâneo, poeta vivo
Aless Jordan graduou-se em letras e cursa mestrado em linguística pela Universidade Federal do Ceará. Apaixonado por literatura, desenvolve pesquisas na universidade sobre Capitães da Areia, clássico de Jorge Amado, além de escrever crônicas, contos e poemas. O fazer literário é a sua grande e permanente paixão!
Farsa
eu vim cansado
pensando formas de dizer
que em mim há mais
que o tom discreto da cor
da camisa
que o tom de voz disfarçado
definhado
de pouca vida
que todas as minhas palavras
talvez sejam mentiras
que o que digo aqui
pode não ser meu
e que aquela frase sincera
outro dia
disse mais sobre
o que não sou
que a música que eu gosto
nunca foi cantada por mim
que a chave que carrego
abre outras portas
mas não abre a porta
da minha casa
que o meu começo
ainda é um fim
e que não confie
por favor
não confie tanto em mim
- Bahia, Homem Gay, Pessoa LGBTQIA+, Pessoa Negra/Preta, poeta contemporâneo, poeta vivo
Nascido e criado entre Amélia Rodrigues e Feira de Santana, Bahia. Alexandre Paim é graduando em Psicologia na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), estudante de Teatro e de Técnica Vocal no Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA/UEFS), formação em andamento em Análise do Comportamento Clínica no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC).
quando a chuva passar
três luzes queimadas, minha mãe preocupada, desconforto gastro-cardíaco;
selas e botas, distância quadrada – odeio ver o brilho do azul entre os oitis.
mesmo assim, vi cada gosto seu no corpo de um semideus virtual. como pôde me abraçar planejando voar entre as flechas dele?
meu pai no whatsapp com a incredulidade: o destrono não me tornou indolor.
tua inocência fajuta combinou com a minha surdez conveniente; só não fui competente em isolar variáveis estranhas no meu experimento contra-ético.
invalidado pelo teu afã por homens símeis, ensimesmado e compadecido, não esteticamente envolvido… eu queria te dar um tiro.
meu primo te refere em sorrisos e eu, acovardado, me esquivo; sua misericórdia já me penitencia.
não vou explicar o que houve porque algo não se há de ter havido para que não empreendesse esforço ou arrependimento.
capitães de areia na sua estante e meu prólogo empoeirado em caneta vermelha – você nunca lerá!
eu rezo em dilúvio que meu quarto, meu vinho e meu sangue te manchem, que meu canto te atormente, que meus versos te arrebentem…
que mergulhe e se afogue e eu lhe salve a vida com a mesma letargia que você tirou a minha.
- Mulher, Pessoa Autista, Pessoa com Deficiência, Pessoa com Experiência de Violência Sexual, Pessoa de Origem Latino-Americana, Pessoa Gorda, Pessoa LGBTQIA+, Pessoa Neurodivergente, poeta contemporâneo, poeta vivo, Rio de Janeiro
Nascida em 2002, no Rio de Janeiro. Algumas coisas me definem: uma longa batalha contra a doença mental, a sobrevivência às violências sexuais, e a deficiência. Não mais do que tudo e todos que amo. Sinto saudade. Ponto. Saudade de tudo. Aquele misto de afeto com dor, sabe? Acho que se eu fosse um sentimento, é este que eu seria. Talvez, eu já seja. Candura — uma história de sobrevivência feminina, é seu livro de estreia (TAUP, 2025).
só vou morrer
depois que
uma voz gasta
rouca
e sem dono
escorrer boca afora
a mesma boca
que quando esperava um primeiro beijo
foi usada de tantas outras maneiras
e ficou com um não regurgitado na garganta
sem cuspe
que esta boca
espante toda
palavra morta
e parte imunda
que entala como grão de areia após a praia
em quinas sombrias da sala de estar
vou urrar até a dor se render
até minha voz virar eco
e eu rasgar
cada caco de mim
que se culpa
por homens que tomam corpos
e brotam dores
só saio dessa vida
com a garganta em carne viva
- Ceará, Homem Gay, Pessoa LGBTQIA+, poeta contemporâneo, poeta vivo
Artur Hermano é natural de Fortaleza-CE, mas tem morado “na estrada” nos últimos 10 anos. Recentemente concluiu seu doutorado na Unicamp e agora encara o desafio de morar em São Paulo mantendo acesa a sua chama poética, que tem sido seu refúgio e seu poder secreto nos momentos mais difíceis. Sonha em um dia publicar seu próprio livro de poemas.
A ORIGEM DA VIDA
O enigma permanece insolúvel porque o entregaram em mãos científicas
Tivessem-no entregado às calejadas mãos de um poeta, há muito já teríamos entendido…
No princípio era o Caos, o desalentado e desesperado Caos
O tumulto e o desastre alimentaram e fortaleceram uma simples lagoa tépida, ardendo de tesão pela vida, paraísos oníricos, revoluções e amores impossíveis
Era óbvio que uma centelha ali seria acesa em meio aos intricados passeios quânticos, aquela centelha iria, claro, iluminar o fuso, criar um escrito, um refúgio de ordem em meio ao caos dos compromissos que pagam boletos
Espinosa narrou o duro desejo de durar – o conatus – que preencheu e multiplicou aqueles versos fragilmente malabarizados pelas calejadas mãos do planeta
E foi assim o início tão simples da vida
Raríssimo e implausível – mas basta que tenha acontecido uma vez
Da fuga do caos às odes eufóricas,
A vida nasceu como um poema da Terra para si mesma.
- Minas Gerais, Pessoa de Origem Latino-Americana, Pessoa LGBTQIA+, Pessoa Não-Binária, poeta contemporâneo, poeta vivo
Bê Luiz é um ser humano que produz arte de diversas formas e gosta bastante disso. Vive em Belo Horizonte e atualmente cursa jornalismo na UFMG.
Agro
Em estado de azeda,
Nada agridoce, apenas azeda,
Sem pena do que passe à frente.
Frente todos os problemas, preciso urgentemente
De um levante que enfrente
Explosões internas e externas,
Inspirações e mágoas frescas,
Com tirolesas e canhões,
Os próprios levantes das rebeliões,
Que se iniciam nas pontas dos dedos.
Fazem crer em escrever
Como maneira de ver
O invisível revoltoso da emoção culpada,
A revolta é melhor colocada se rimada com fogo,
Do que gritada com raiva.
Raiva do mundo em chamas nada rasas,
Mágoas frescas, inspirações desacreditadas,
O que ficou foi a palavra.
Palavra ou nada, natureza ou nada, mudança ou nada,
É assim que acaba:
Em ponto final ou em fumaça.
- Mulher, Pessoa com Experiência de Luto, Pessoa LGBTQIA+, poeta contemporâneo, poeta vivo, Rio de Janeiro
Nasceu no Rio de Janeiro em 2000. Poeta e pesquisadora, é formada em letras pela Univates. Seu trabalho envolve autoras brasileiras com o projeto de clube de leitura Amavisse, também possui o perfil literário @leituramista onde fala sobre livros escritos por mulheres.
Saudade
te sinto aqui ainda, enroscada nos meus pés
na minha visão periférica, ainda vejo você caminhar por mim,
uma sombra, um pulo
eu giro a cadeira, você não está.
acho que te ouvi, mas não te encontro
como faço pra te encontrar além dos meus sonhos?
te sinto aqui ainda, fico aliviada
por um momento e depois, não mais.
a saudade me come pelas beiradas
ainda sinto teu cheiro
ainda te espero,
apesar de saber que você não vai voltar
e eu sei onde está.
eu olho a janela, sinto um vento.
durmo torcendo
te ver de alguma forma,
a cama ainda está morna.
a saudade me arrebata a cada roupa que visto
toco em um pouco de você a cada pelo que encontro
o que me restou da saudade:
uma foto sua e uma tatuagem.
ainda te sinto aqui
você me sente, daí?
- Mulher, Pessoa Assexual, Pessoa de Origem Latino-Americana, Pessoa LGBTQIA+, poeta contemporâneo, poeta vivo, São Paulo
Bia Viana é escritora, jornalista e comunicadora. Autora da obra “A mulher jornalista no cinema” (2020) e coautora da antologia “Publicar é um Direito” (2023), escreve sobre comunicação, gênero e cultura. Foi delegada em evento na ONU pelos direitos das mulheres e atua internacionalmente em projetos sociais. Está nas redes como @btrzviana.
Pronome próprio, incomum
Um dia, terei minha própria casa
Minhas próprias coisas
Meu próprio jazz, tocando em meu próprio rádio
De meu próprio gosto
Acompanhado do próprio vinho, barato
Aquele que eu mais gosto
Que a gente sempre compra em três garrafas quando vai ao mercado
Com meus próprios pés, descalços
E minhas próprias mãos, segurando duas taças
Uma de cada lado
Um tinto e um rosé, para aproveitar os dois gostos
Também podem ser duas cervejas
Tudo depende do próprio momento, claro
E vou dançar no meu próprio tapete aveludado
Debaixo de meu próprio teto
Com o volume inapropriadamente alto
Para a hora de ser eu própria
Que será, espero, toda hora
Ah, como eu quero ser própria.
- Mulher, Pessoa de Origem Latino-Americana, Pessoa LGBTQIA+, poeta contemporâneo, poeta vivo, São Paulo
A escrita de Carolina Ana é uma constante busca por pertencimento, expressando incômodos e reflexões. Inspirada em questões filosóficas, espirituais, ancestrais e LGBTQIA+, ela mergulha em temas como vida, morte, amor e desejo. Com formação em comunicação e especialização em escrita criativa, sua voz singular ecoa através das palavras. @carolina.ana.oz
Iansã & Ossaim
Ocupo espaço, mas não sei onde estou
Moro em dois lugares, mas não moro em lugar nenhum
Corro, percorro, viajo com o vento
Não sei onde quero estar
Talvez a vontade de estar em todos os lugares
Me atrapalhe em permanecer
Tenho a sede do encontro
Tenho a sede da troca, mas nem todos entendem
Na verdade, quase ninguém entende
Será que alguém já entendeu?
Ofereço a troca, mas logo vou me embora
Sem ofensas, não tente me prender
Vento não se prende
O dono desse vento mora nas florestas
Ele também prefere estar sozinho
É por isso que ele é o dono
Ele nunca tentou me prender
E eu sempre ventei ao seu lado
Mesmo sem seu pedido
Mesmo sem seu consentimento
Sempre o protegi de si mesmo
Afinal, o vento é transparente
- Mulher, Pessoa com Experiência de Luto, Pessoa de Origem Latino-Americana, Pessoa LGBTQIA+, poeta contemporâneo, poeta vivo, São Paulo
Sua escrita é uma constante busca por pertencimento, expressando incômodos e reflexões. Inspirada em questões filosóficas, espirituais, ancestrais e LGBTQIA+, ela mergulha em temas como vida, morte, amor e desejo. Com formação em comunicação e especialização em escrita criativa, sua voz singular ecoa através das palavras. @carolina.ana.oz
Plutão chegou a Áquario
no dia 20 de janeiro
plutão chegou a áquario
caindo como um explosivo
sobre nosso relacionamento
pedindo renovação
arcano XVI
a queda inevitável:
é das cinzas do ego
que nasce a consciência!
a solução vem do treze
passar por qualquer coisa
e se tornar mais forte
o segredo é o ritmo
embalar o outro
escolha complementar
encontrar o meio termo
sem anular o próprio ritmo
como num barco
o remo segue a corrente
do braço
como uma dança
pés sincronizados
o gozo ainda é
a única coisa
que o capital
não conseguiu
e a solução vem da morte.
- Homem Gay, Mato Grosso do Sul, Pessoa LGBTQIA+, poeta contemporâneo, poeta vivo
Flávio Adriano Nantes é professor, pesquisador, escritor…
e eu não sou um homem?
Sojourner Truth, e eu?
eu não sou um homem?
eu vejo homens respeitarem outros homens
a mim não respeitam
e eu não sou um homem?
eu trabalho como um homem
eu vivo como um homem
me visto como um homem
tenho um pai e uma mãe
e eu não sou um homem?
eu subo ao palanque como um homem
eu escrevo como um homem
eu falo às gentes como um homem
e eu não sou um homem?
deus ama todos os homens, dizem
a mim não ama
e eu não sou um homem?
minha desinência morfossintática é de um homem
e eu não sou um homem?
eu não sou um homem por amar outro homem?
Truth e eu somos
mulher
homem
mulher-homem