Poetas do Rio Grande do Sul

Poetas do Rio Grande do Sul

Poetas do Rio Grande do Sul

A categoria Poetas do Rio Grande do Sul reúne escritores e escritoras que representam a poesia e a cultura do Rio Grande do Sul. Aqui, destacamos poetas gaúchos que traduzem em versos a riqueza cultural, as histórias e as tradições do Rio Grande do Sul. Descubra escritores contemporâneos que nasceram ou se radicaram no Rio Grande do Sul celebrando a essência literária desse Estado tão vibrante.

Catia Castilho Simon

Cátia Castilho Simon é mestre em literatura brasileira e doutora em estudos de literaturas brasileira, portuguesa e luso-africanas/UFRGS. Participou de diversas antologias, escreve mensalmente para os sites RED (Rede Estação Democracia) e Rede Sina. Tem cinco livros individuais. Integra o Mulherio das Letras/RS; vice-presidenta cultural da AGES 2023/2024.

Poesia

a grande máquina

a grande máquina vocifera
pertoequente pertoequente pertoequente

mãos manchadas
lenços ao vento

a grande máquina vocifera
retumbante
pertoequente pertoequente pertoequente

primeiro, as crianças!
trombeteia
pertoequente pertoequente pertoequente

saltam papéis
faltam sapatos

pertoequente pertoequente pertoequente
em estridentes gargalhadas
segue em frente

Cíntia Colares

Cíntia Colares (Flor de Lótus) é mulher preta cis, jornalista, poeta, coautora em coletâneas de poesia, mãe solo de um adolescente negro, mora na periferia de Porto Alegre/RS.

Poesia

Reconstruindo

Escrevo
para tentar mudar
o que recebo dessa vida.

Escrevo
porque não aceito
essa vida que insistem
em jogar em cima de mim.

Tão pesada
que estou sempre
prestes a ser soterrada.

Às vezes essa vida
me faz sumir.

Depois arremesso
esses escombros
para longe

E vou me reconstruindo
pelo caminho.

Não dá tempo de esperar cicatrizar.

Gabriele Demartini

Gabriele Demartini é mulher da periferia de Porto Alegre, Advogada pela PUCRS graças ao ProUni, teatreira desde 2014, escritora e poetisa desde sempre, contando a história do meu corpo e as histórias das mulheres que me constroem – sejam minhas ascendentes ou aquelas que cruzam meu caminho. Autora do livro “Diafragma – poemas que respiro e canto” da editora TAUP.

Poesia

Rio

Quando observo a chegada das mulheres que me moldaram entendo porque sou correnteza Elas chegam com seus panos, vassouras, baldes e histórias

Devastando tudo que não deve permanecer, limpando tudo que não brilha, mudando de lugar tudo o que não cabe e deve ser modificado

Como um rio em que se entra e pode sentir o estranhamento do gelado, mas quando sai está limpo
Elas nem sempre são sutis e dificilmente estão paradas, mas às vezes são calmaria

E depois já correm firme na direção que tem de correr, fazendo a limpeza, arrastando coisas, crianças, homens, bichos, objetos consigo
Empurrando, fazendo, andando

O movimento é o amor e uma reza, e o movimento como um deus cobra seu tributo.

E eu rezo para esse rio.

Gisela Maria Bester é escritora gaúcha radicada no Paraná e no Tocantins, mestra e doutora com estágio pós-doutoral em Direito. Vencedora do 38.º Prêmio Yoshio Takemoto de Literatura 2024 (Haicai). Autora dos livros Pinte-me de Azul (Mondru, 2023 –Troféu Capivara Reconhecimento Literário, no Prêmio Literário da Cidade de Curitiba 2024) e Sorrir, esse sacrifício (TAUP, 2024).

Poesia

ANTRÓPICO

aterrisse seu avião em uma pista cheia de mar
sufoque-se com as fumaças das queimadas
– sobrepostas sonoridades já não mais possíveis –
cegue-se com as tempestades de fuligens
tome veneno no copo d´água, outrora de vida cristalina
coma hormônios no frango de padaria
ingira antibióticos e líquidos vacinais
nas maminhas da macia carne bovina
celebre o fim das outras espécies, asas não
ria do veado dependurado, sangrando no seu gozo estéril, azar
faça pouco da onça, na beira da civilização
não se esqueça da transgenia, comendo a sua fome feia, recrute sempre sua imensa ganância
sinta calor extremo, águas espessas
compre mais aparelhos de ar-condicionado
e espere os apagões, na sua plúmbea visão
coce seu cancro de pele de ozônio de sol aberto
desafie a rotação e a bondade do planeta
extraia mais riquezas daquilo que não é seu
mate indígenas por amianto, lítio, cassiterita, ouro,
madeira e terra, espalhando ácido pranto
conte mais dinheiros e vantagens,
derrube mais árvores, mate mais e mais, nascentes, sementes,
bichos, sonhos, afetos, e não se esqueça, imutável ser,
de fazer de conta que o inferno não parte de si

Um corpo que cai

Mulher, te dei morada, mas…
essa boca humilhada
esses olhos gencianos
onde estão teus dentes?

Mulher, te dei caminho
de veias, para resvalar o sangue quente
de pernas, para levar teus sonhos ao cio
de línguas, para friccionar tuas traduções
e há glossários, para necessárias desobediências

Mulher, te dei desejos
Cordas e sons de cantar a vida úmida
Mas essa dobradiça repetindo
rangendo mecânica dor
                                    esgotada
                                               e seca
qual trapo perdido, escorregando no vazio
movimenta insana inanição

Mulher oceânica
investiga teus rastros
e tenha em ti um poema
porque um corpo que cai
é o mesmo que se levanta

Jader Santini

Jader Santini é professor da rede municipal de São Leopoldo, RS. Possui trabalho na linguagem de desenho e pintura digital, que pode ser visto em @jadersantiniartes. Também produz HQs, contos e poemas, tendo publicado individualmente e em antologias. Seu livro mais recente é a HQ Anima, volume 1.

Poesia

A água levou teu nome

Quem é você que caminha avulso?
Teu pulso ainda vivo,
Cativo em teu momento de esperança.
Cheio de andança,
Ergue-se nos teus únicos sapatos.
Teus relatos de dor
Trazem que cor na tua Memória?
Que da tua própria história,
Pouco sobrou.
A água levou teu nome.

Juliana Blasina

Juliana Blasina é poeta, editora e colagista. Autora dos livros 8 horas por dia e Toracotomia caseira, finalista do Prêmio Minuano 2022. Tem textos publicados em diversas revistas e antologias. Vive em Rio Grande/RS. @blasina_ju

Poesia

REBOJO

a mesma nuvem sobre nós dois
o mesmo vento a mesma chuva
o mesmo pássaro cantando um mau agouro
esganiçado e rouco

culpo a umidade relativa do ar
por minha loucura nas noites de inverno
se uivo para uma lua de sangue
se crio para mim um Jonathan com teu rosto
e o trago sobre tuas pernas
marchando alucinado
sobre um banhado que logo seca

há um buraco na planície, Jonathan
tome cuidado, mas tenha pressa
:
eu preciso que você me olhe
agora
que meu delírio é como o sol de julho
entre nuvens carregadas de tempestade
ele exibe o fenômeno raro de brilhar
por ti.

Malu Baumgarten é jornalista, fotógrafa, autora do livro bilingue A poesia da hora braba (2023, ed. Bestiário). Participa de antologias de poesia e prosa pelo Brasil. É uma das criadoras do site Nós e Outras (noseoutras.com), que divulga a arte da mulher desde 2020. Faz parte do coletivo Enluaradas e do Mulherio das Letras. Vive em Toronto, no Canadá e não come animais.

Poesia

Arbustos de pernas grossas

Procurei por ele na estrada escura. Tinha de tudo que o afeto pode oferecer. Laranjas e pêssegos, mirtilos separados para não amassar, um desejo enviesado no peito. Ao longe, no fim do caminho, a casa. Muito a caminhar no dia nublado, um dia, quantos, uma vida? Vesti-me de vermelho para que me visse ele, e sua sombra ofuscava o sol, as orelhas pontiagudas mescladas nas árvores, a fumaça da casinha lá distante, um nunca chegar. Pensava nele e arrepios percorriam-me o corpo, a boca grande, os dentes pontudos, as costas largas do tamanho do mundo onde queria deitar-me e esfregar a pelugem eriçada, alimentar sua fome uma fruta de cada vez, sentir sua língua áspera nas pontas finas de meus dedos. À casa, com seus olhinhos inocentes, não queria chegar. Melhor o medo, o escuro da trilha, a vegetação retorcida, arbustos de pernas grossas. O cheiro dele enchia o ar, eu o respirava e queria, e o que queria não sei.

Joguei ao chão minha capa vermelha, tirei as botinhas de cano, libertei meus pés inchados. Deitada na capa levantei o vestido branco até a barriga, a cesta de frutas descansada ao meu lado, lambuzei-me do azul de mirtilo, adormeci no calor da tarde. Ele chegou-se com cautela, a cheirar-me o rosto com sua fuça molhada. Fartou-se de pêssegos carnudos, lambeu-me ternamente a entreperna, a língua tosca e tão longa procurando vãos e saliências na medida exata do desejo oferecido. Manso, deitou-se ao meu lado quando caía a noite, aqueceu meu corpo com o seu. Aconcheguei-me e sonhei que chegava finalmente à casa, a sombra dele obliterada pelo sol, a estrada negra agora ladeada de verdes, colorida de flores. Dentro da casa uma velha morta me encarou de olhos arregalados, e os olhos gritavam, vai filha, atrás da vida, antes que ela te devore.

Os pés de meu pai

Nunca toquei os pés de meu pai. Morenos
de sol, plantados no chão do barco,
longos e magros, seguros no viver,
eram bonitos os pés de meu pai.

As mãos de meu pai, nunca peguei
só por afeto, nem ele as minhas.
Mas não falsearam a ofertar-me o prumo
no balanço traiçoeiro do Huracán,

prontas a parar-me a queda, os pés firmes
na popa do veleiro, olhos negros que viam
longe e não me viam, os olhos dele

mais além. Sua voz dizia o mundo, do Rio Grande
à Rússia vermelha, do jazz à milonga triste, meu pai,
um homem qualquer.

Neta de uma poeta que lhe ensinou que as palavras são refúgio. Jornalista apaixonada por histórias reais e inventadas, escreve para não se perder. E talvez, para se reencontrar.

Poesia

Novelo de lã

Os fios não
o são dela.
Nem dela.
Minha mãe deixava mantas pela metade:
pontos soltos,
carretéis esquecidos na mesa.
Começava vestidos que nunca vi prontos,
linhas que se perdiam no tempo.
Às vezes penso que herdei isso dela,
essa vontade de fazer
e a dificuldade de concluir.
Minha avó não sabia costurar.
Mas escrevia.
E sonhava como quem ficava com palavras soltas.
Como um emaranhado de fios,
vou tentando puxar um por um.
Uns apertam.
Outros se desfazem só de encostar.
Tentei puxar.
Me enrosquei.
Tentei esquecer e me perdi

Encontrei na poesia uma forma de me expressar como jamais havia descoberto antes. Parece clichê e pode ser que ainda não estejam perfeitas, mas é algo que carrego comigo e sei que vai continuar fazendo parte da minha vida.

Poesia

Monotonia

Pensei hoje nessa vida, em como ela anda tão pacata ultimamente que já não consigo mais diferenciar os dias.
Não me sinto como antes, sinto como se eu não fosse eu, como se o mundo não fosse real, ele não parece real.
Sinto falta de uma realidade da qual já fiz parte, mas não me pertence mais. Uma realidade onde existiam momentos bons e eu podia usar a palavra “feliz” sem soar de um jeito falso.

Pensei em sair hoje, agora. 00:18 E eu queria sair, ir à Porto Alegre, caminhar pela rua dos Andradas e conhecer mais do museu Mário Quintana. Queria sentir a brisa do vento pelo meu rosto, sentir que estou ali, viva. Afinal, de que adianta viver se você não puder se sentir vivo? Me pergunto isso diariamente. Não sei direito o que é “viver” mas sinto que é algo fora do meu alcance, algo que desconheço já têm um tempo.

Talvez a definição de viver não esteja no dicionário
talvez esteja em você ou em mim, penso se em algum momento irei achar a real definição, se em algum momento eu sentirei que estou viva de novo
e não só mais uma pessoa andando pela cidade.

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